EUGÊNIA MISZKE

(*Żytomierz, Império Russo, c. 1868 / +Varsóvia, Polônia, 1934)

Eugênia Miszke* nasceu em 1868, na cidade de Żytomierz (atualmente na Ucrânia), filha de Roman e Marja (nascida Gołubijewski) Czyżowski. Embora fosse etnicamente polonesa, ela nasceu no Império Russo, sob o qual estava Żytomierz à época. A cidade havia feito parte do Grão Ducado da Lituânia em 1320, foi integrada à Coroa da Polônia no início da República das Duas Nações (1569 a 1791), passou a ser capital da Voivodia de Kiev em 1667 e em 1793 foi incorporada ao Império Russo, durante a Segunda Partilha da Polônia [1]. Assim, a família de Eugênia vem de uma cidade que foi da Polônia e, na Partilha de 1793, passou a ser do então Império Russo, sem que tivesse possibilidade de escolha.

Eugênia estudou piano com Ignacy Jan Paderewski e depois com o professor dele, Theodor Hermann Leschetizky, em Viena. Essa informação foi confirmada em várias fontes, mas as datas são incertas [2]. A linhagem musical de Eugênia a liga a grandes nomes da música, uma vez que, além de Paderewski, a instrução com Leschetizky a coloca sob a árvore genealógica de Carl Czerny, tido como patrono da técnica pianística. Czerny teve aulas com Ludwig van Beethoven e Franz Xaver Amadeus Mozart (filho de W. A. Mozart), e ainda teve como seu pupilo mais ilustre Franz Liszt [3]. A ligação de Eugênia com Paderewski é coerente também pelo fato de ele ter, à época, parentes em Żytomierz. Não há, no entanto, muitas menções ao período da infância dela. Já na vida adulta, Eugênia morou na Suíça, onde cursou a graduação em Medicina na Universidade de Genebra, tendo concluído o curso em 1894 e obtido o título de Doutora em Medicina em 1899. Antes mesmo de se graduar, já aparece citada nos documentos de concertos beneficentes em prol dos estudantes poloneses na Suíça, sendo o evento mais antigo registrado no ano de 1892 [4]. Foi bolsista do Comitê de Ajuda Científica criado pelo conde Wladyslaw Prater e contrariou as estatísticas, uma vez que, até o final do século XIX, apenas 14 mulheres concluíram os estudos na Faculdade de Medicina da Universidade de Genebra, e provavelmente um número ainda menor pôde concluir o doutoramento [5]. Em 1900, Eugênia casou-se de modo arranjado com um austríaco idoso para obter a cidadania daquele país e pôde revalidar seu diploma para lá exercer a Medicina [6]. Seu paradeiro e atividades se perdem desse ponto até o ano de 1916, quando participou como pianista de uma solenidade de descerramento de uma placa em honra ao poeta polonês Juliusz Slowacki, na Rue de Monthoux 34, Genebra, que existe até hoje. Cabe ressaltar que esse é o primeiro momento em que Eugênia aparece citada com o sobrenome de casada Miszke-Czyzowska [4]. Ela viveu no Brasil, em Curitiba, de 1922, quando chegou com seu segundo marido, o cônsul Zbigniew Miszke, até 1928, quando eles retornaram à Polônia [2]. Em Curitiba, Eugênia promoveu concertos de música de câmara e apresentações de rítmica, além de ter trazido músicos, artistas e intelectuais poloneses para a cidade, dentro de promoções culturais do Consulado da Polônia. Tocou ao lado de nomes consagrados como Antonio de Melillo, responsável pela criação da Faculdade de Artes do Paraná, Bianca Bianchi, célebre violinista e professora desse instrumento na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Alceu Camargo, Charlote Franck, Ernest Dreyer e Ludwig Seyer. Dentre artistas e intelectuais estrangeiros, trouxe a Curitiba o pianista Mieczysław Horszowski, o violoncelista Bohumil Sýkora, o tenor Piotr Romanowski [3], o pintor Ignacy Wincenty Pieńkowski [4] e os poetas do grupo Skamander, Stanisław Baliński e Antoni Słonimski [7]. Destaca-se no repertório apresentado em Curitiba o gosto de Eugênia por obras de compositores que foram seus contemporâneos, sendo os mais notáveis Karol Szymanowski e Cécile Chaminade [3]. Tal gosto já aparecia nos concertos na Suíça, com obras de Émile-Jacques Dalcroze e Charles-Marie Widor [4]. Em função da remoção do cônsul Miszke para o Ministério das Relações Exteriores da Polônia [1], o casal deixou o Brasil em 1928 e, desse momento em diante, não são mais conhecidos detalhes da vida de Eugênia. Provavelmente, ela tenha acompanhado o marido, que exerceu funções administrativas no Ministério em Varsóvia até 1930, assumiu o Consulado da Polônia em Munique em 1931 e depois voltou a funções administrativas no Ministério até se aposentar, em 1933 [8].

Eugênia deixou o mundo às 10 horas da manhã de 19 de janeiro de 1934, no Hospital de São Roque, em Varsóvia, segundo registro religioso do óbito lavrado na Igreja de Santo Antônio de Pádua, na mesma cidade. Deixou como legado o protagonismo feminino na formação acadêmica em Medicina, obtendo o grau de Doutora em um período em que poucas mulheres tiveram acesso a tal formação. Em Curitiba, promoveu continuamente mais de uma dezena de concertos organizados pela Sociedade Musical Frederico Chopin, a qual fundou e presidiu, e trouxe artistas e intelectuais poloneses de peso para visitarem e atuarem na capital paranaense. Foi igualmente pioneira do ensino de balé por meio do método Dalcroze no Paraná. Os concertos e outras atividades artísticas promovidos pelo Consulado da Polônia diminuíram significativamente após a partida do casal Miszke, e uma análise superficial leva a crer que as contribuições de Eugênia para a cultura local também cessaram. Entretanto, músicos, bailarinas e plateias foram formados nesse período, dando continuidade a seu legado artístico, como é o caso de Mellilo e Bianchi, e deve-se acrescentar que a renomada coreógrafa do folclore polonês Halina Marcinowska aparece como bailarina nas apresentações de Eugênia Miszke.

*Sobrenome de solteira Czyżowski; por vezes o sobrenome aparece grafado segundo as normas do polonês Czyżowska-Miszkowa e na variante Miszke-Czyzowska; a grafia de seu primeiro nome varia conforme o local, sendo as três variantes Eugenja, Eugénie e Eugênia.

 

[1] IAROCHINSKI, Ulisses. Terras da Polônia. Curitiba: Edição do Autor, 2022.

[2] WACHOWICZ, Ruy Christovam; MALCZEWSKI, Zdzislaw. Perfis polônicos no Brasil. Curitiba: Vicentina, 2000.

[3] FREITAS, Thiago Corrêa de. Recomendações musicais de Eugênia Miszke. Boletim Tak, n. 25, p. 14, maio/jun. 2022.

[4] FREITAS, Thiago Corrêa de. Eugênia Miszke: da medicina, com música, às artes plásticas. Boletim Tak, n. 27, p. 13, set./out. 2022.

[5] URBANIK-KOPEĆ, Alicja. Nonsens i lekarz bastard Anna Tomaszewicz-Dobrska (1854-1918). ANALECTA R. XXIX, v. 1, p. 152, 2020.

[6] LIPINSKA, Melina. Les femmes et le progrès des sciences medicales. Paris: Masson et cie, 1930.

[7] FREITAS, Thiago Corrêa de. Os poetas da musa. Boletim Tak, n. 29, p. 6-8, mar./abr. 2023.

[8] SMOLANA, Krysztof. Urzędnicy służby zagranicznej Rzeczypospolitej Polskiej 1918-1945. Warsawa: Ministerstwo Spraw Zagranicznych, 2020.

 

Autor do verbete: Thiago Corrêa de Freitas, 08/03/2023. E-mail: tcf@ufpr.br

 

 

Eugênia Czyżowska, marcada com o número 2, com um grupo de estudantes poloneses em Genebra, Suíça, no ano de 1894.  Fonte: WASILIEWSKI, Leon. Niepodległosc czasopismo poświęcone dziejom polskich walk wyzwoleńczych w dobie popowstaniowej. Tom VI. Warszawa: Instytutu Badania Najnowszej Historji Polski, 1932.

 

Eugênia Miszke e suas alunas de balé em Curitiba, Brasil, na década de 1920. Fonte: INTERNETOWY Polski Słownik Biograficzny. Zbigniew August Miszke. 2022. Disponível em: www.ipsb.nina.gov.pl/a/biografia/zbigniew-august-miszke. Acesso em: 12 mar. 2022. Foto editada e melhorada por Katiane Dalla Vecchia.