Nascida Emilia Piaskowski em 9 de fevereiro de 1928, D. Emilia, como é conhecida e carinhosamente chamada por todos, foi oficialmente registrada em 29 de julho de 1928. Filha de José e Amélia Kopciuszyński, imigrantes poloneses, ela nasceu em Curitiba, Paraná, cidade onde vive atualmente. D. Emilia destacou-se na arte popular polonesa, na qual ela mesma afirma ter iniciado tardiamente, o que era para ser um passatempo, ganhou formas e cores, dando à paranaense muitos motivos para explorar e referenciar suas raízes ancestrais. Mulher, esposa, mãe, amiga e artista, D. Emilia representa com força e graça uma tradição secular que até mesmo na Polônia tem sido esquecida, segundo ela, pela falta de tempo dos jovens. As wycinanki, originalmente produzidas no âmbito doméstico e nos longos dias de inverno comuns na Polônia, chegaram ao Brasil pelas mãos dos imigrantes, em especial no Paraná, estado que recebeu número representativo de imigrantes poloneses. Foi de Apolônia Kozak que Emilia recebeu os primeiros ensinamentos sobre a técnica das wycinanki, para, com o passar dos anos, desenvolver técnica própria. Em um momento delicado de sua vida, foi a arte popular polonesa que lhe trouxe alento e a ajudou a resgatar a alegria de viver. Mais que o ócio criativo, a produção de peças com as técnicas de pisanki e wycinanki entrou em sua vida para nunca mais sair. Mas, se faz necessário recorrer a anos anteriores para entender o que essa grande mulher e figura humana representa dentro da cultura polonesa em solo tupiniquim. Como muitos descendentes de imigrantes e até certo momento de sua vida, a menina Emilia não falava o português, somente o polonês, língua de seus pais e avós, o que, no princípio, gerou algum desconforto, mas hoje é motivo de orgulho. Criança, ela estudou no Colégio Sagrada Família, na Rua Paula Gomes, e fez sua primeira comunhão na Igreja Santo Estanislau. Emilia viveu com sua família na sede da Sociedade Tadeusz Kościuszko, um dos locais de referência para a comunidade polono-brasileira do país, situada em Curitiba – a segunda cidade do mundo em número de imigrantes poloneses, depois de Chicago, nos EUA –, e tem muitas recordações da época em que a família vivia e trabalhava no local. Nesse período, ela viveu cercada dos livros que o pai, Sr. José, recuperava como parte de seu ofício de restaurador. Emilia e os irmãos ajudavam o pai com a encadernação, período em que talvez tenha nascido a habilidade que, mais tarde, ela teria com as wycinanki, uma arte na qual ela se tornaria referência para artistas e artesãos que mantêm viva a técnica tanto no Brasil como fora do país. D. Emilia, sempre que tem oportunidade, fala com carinho dos momentos em família e demonstra muito respeito e amor por sua cidade natal, onde cresceu, se casou, teve filhos, ganhou notoriedade em corais e com seu artesanato de pisanki e wycinanki. Com talento para cantar músicas clássicas e religiosas, a jovem Emilia ingressou no Coral da Sociedade Thalia, regido pelo então maestro Otto Fitzen Reuter, de ascendência alemã. Participou de peças de teatro amador como solista, mas não pôde se dedicar como gostaria, afinal, teve que trabalhar para ajudar a família, permanecendo em seu emprego na Joalheira Kopp até seu casamento com Romoaldo, em 1953. Uma vez casada, sua vida se transformaria, ela seguiu ao lado do esposo e seus três filhos entre mudanças de emprego e residência pelo interior do estado, período no qual contraiu tuberculose. A família decidiu retornar a Curitiba. Foi um período difícil, uma recuperação que exigiu muito esforço, e foi nesse momento que a música e o canto retornaram à sua vida. Era 1966, Emilia, então com 38 anos, aceitou o convite de sua irmã Estefânia para ingressar no Grupo de Coral e Folclore da Sociedade Juventus de Curitiba, o que lhe ajudaria a vencer os problemas de saúde. Nesse mesmo ano, ela participou com seus colegas do grupo folclórico, sob a direção artística do Professor Tadeu Morozowicz, orquestra sob a regência do Sr. João Kozak e regência geral do Padre José Zając, das cerimônias do Milênio Cristão da Polônia, evento realizado na cidade do Rio de Janeiro, com apresentações no belíssimo Theatro Municipal do Rio de Janeiro e transmissão na TV local. D. Emilia não esconde o orgulho e a alegria ao recordar esse momento. Depois disso, ocorreram algumas mudanças e o grupo folclórico do qual ela participava passou a fazer seus ensaios em outra sede, em um pedacinho da cidade que Emilia bem conhecia e do qual sempre teve lembranças familiares, ela retornou ao que já fora o lar de seus pais e dela própria. Eles passaram a se encontrar na Sociedade Tadeusz Kościuszko, que, naquela época, tinha como presidente o saudoso Sr. Sigismundo Sielski. Naquele momento da vida, ela encontrou motivos para, cada vez mais, dar visibilidade à cultura polonesa. Então, com outros integrantes do grupo, passou a trabalhar com o objetivo de retomar as atividades culturais das quais tem tanto orgulho enquanto polono-brasileira. D. Emilia e Sr. Romoaldo passaram a se dedicar mais e mais às atividades folclóricas, que incluíam canto e dança. Enquanto Romoaldo captava recursos de empresas e do comércio, Emilia se mobilizava com a confecção dos trajes necessários para as apresentações do grupo. Com figurino pronto, sob os cuidados da Sra. Apolônia Kozak, e com direção técnica dos ensaios para produção de espetáculos assinada pelo diretor artístico Professor Morozowicz, como é o caso de “O Casamento Polonês”, as pessoas da comunidade começaram a reingressar no grupo. Em paralelo a todo esse trabalho, criou-se uma comissão, novos estatutos e nasceu então o Grupo Folclórico Polonês do Paraná. No dia 25 de agosto de 1971, o novo grupo estreou seu espetáculo no Ginásio de Esportes Thalia. A partir daí, o caminho seguido foi o dos ensaios, encontros e apresentações, sempre em paralelo à vida familiar, que se seguia. A cultura polonesa difundida por ela aqui no Paraná a levaria a fazer voos mais altos. Em 1978, ela viajou à Polônia para receber um prêmio do Ministério da Cultura daquele país por sua intensiva participação com a etnia e na comunidade polonesa no Brasil. Além desse reconhecimento, ela recebeu uma bolsa para o curso de Etnografia Polonesa em Poznań, onde teve a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre as manifestações artísticas locais. De volta ao Brasil e a suas atividades, ela receberia o convite para fazer parte do Coral da Igreja Santo Estanislau, sob a regência de D. Helena Skalski. Em 1980, com a primeira visita confirmada do então Papa João Paulo II – o polonês Karol Józef Wojtyła – ao Brasil, com passagem especialíssima por Curitiba, ela começou a se preparar para a apresentação que aconteceria em 5 de julho daquele ano. Com um coral de cerca de 150 vozes – da união de corais –, em evento realizado para recepcionar e homenagear sua Santidade no estádio Major Couto Pereira, D. Emilia cantou e ouviu o papa falar para mais de 60 mil pessoas. Ao final, o pontífice ofereceu um quadro de Nossa Senhora de Częstochowa e terços aos cantores, D. Emilia é só emoção ao se lembrar desse dia. Sempre envolvida com sua cultura ancestral, ela nunca parou e fez outras viagens para Polônia, em uma delas fez um curso de culinária polonesa e, depois, como integrante do Coral João Paulo II – no qual ela ainda atua –, se apresentou no Encontro de Corais em Koszalin, lembranças essas que fazem os olhos de Emilia brilharem todas as vezes que lhe toca recordá-las. Anos atrás, quando ela retornou ao coral do grupo folclórico por convite de sua irmã, teve contato com outra arte, aquela que a consagraria como grande artesã popular. Foi durante o tempo livre nos ensaios do coral que ela observava D. Apolônia Kozak recortando papel para fazer wycinanki. A partir daí, Emilia fez aulas com sua mestra no Senac e não parou mais, seguindo um longo, colorido e habilidoso caminho com suas tesouras e dobraduras de papel. A mesma matéria-prima e técnica que as camponesas, na Polônia, utilizavam para decorar suas casas no Natal e em outras datas festivas. Indagada sobre a técnica, ela diz: Fui praticando, formando bicos de prateleira ou lambrequins, os mesmos que serviam para decoração e que podemos observar em residências, feitos em madeira. Com o passar do tempo, a artista popular e artesã desenvolveu estilo próprio, sua obra leva uma assinatura singular por sua identificação com a Terra dos Pinheirais, suas flores e pássaros, assim como sua técnica de decorar ovos – pisanki – com recortes. Em meio a tudo isso, ela relembra com alegria de uma passagem curiosa por ocasião da aposentadoria do marido. Com Romoaldo em casa e a sobrecarga de encomendas, ela sugeriu que o marido aprendesse a técnica para ajudá-la e, com isso, também passasse o tempo. Reticente no início, ele acabou cedendo. E qual não foi a surpresa? O interesse repentino somou-se à prática perfeccionista e ao tempo disponível do marido, fazendo com que ele se saísse muito bem. O que para Emilia foi ótimo, já que sozinha ela não daria conta de tudo, afinal, naquela época eles tinham o atelier em casa, onde produziam e davam aulas. Segundo a artista, foram anos dourados aqueles. Com tantas peças encomendadas e com as wycinanki em alta, D. Emilia começou um novo processo – sem se dar conta e como chamamos no “fazer arte”, ela iniciou sua antropofagia artística –, um trabalho pensando na paisagem local, saindo das obras polonesas, fazendo suas peças com referências regionais e brasileiras, e foi nesse momento que surgiram as estampas da gralha azul e da araucária, árvore símbolo do Paraná. Essa nova fase de seu trabalho destacou-se e chamou a atenção das pessoas, despertando novo interesse por esse tipo de arte. Já a homenagem feita ao Paraná, em especial à sua cidade natal, em nome dado a uma de suas obras, rendeu até título de matéria em jornal polonês, “Mój Kawalek Polski Jest w Kurytybie”, que traduzido quer dizer “Meu pedacinho da Polônia está em Curitiba”. Assim como a cultura, a arte vai se transformado e tomando novas formas com o passar do tempo, atenta, D. Emilia destaca: Tenho observado que essa técnica da wycinanka encontra-se estampada em forma de pratos, xícaras e sacolas, tudo muito perfeito. Com o avanço da tecnologia, recomendo às pessoas, que talvez estejam interessadas nesta arte, que não deixem de usar o poder que a mente criativa lhes oferece e suas mãos lhe proporcionarão mais satisfação. Com o espírito jovem e a sabedoria dos anos vividos, D. Emilia não parou. Desde 1993, tem ministrado cursos e realizado exposições em diversos locais: Bosque João Paulo II, Casa da Cultura de Araucária, Biblioteca Pública de Araucária, Museu de Imagem e do Som do Paraná, Sala do Artista Popular em Curitiba, Museu Egípcio Rosa Cruz, Casa da Memória de São Mateus do Sul, Segundo Congresso Polônico da América Latina, Centro Brasileiro da Cultura Polônica da Sociedade União Juventus, Sociedade Tadeusz Kościuszko, Vitrine Literária, Assembleia Geral Nacional da Braspol e Casa da Cultura Polônia Brasil. Hoje, aos 93 anos e com uma vivacidade e memória invejáveis, a artista exibe uma história de vida e arte que muitos gostariam de experimentar, com uma vasta produção espalhada pelo país e um acervo pessoal de obras produzidas por ela e outras resultado de 25 anos de trabalho em parceria com seu saudoso esposo. A arte de Emilia Piaskowski, ou simplesmente D. Emilia, com técnica que varia entre geométrica e floral, em obras que abordam os aspectos da natureza ou do trabalho do homem, reflete a alegria, a cor, a precisão e a delicadeza dessa curitibana que sabe, como ninguém, valorizar a cultura de seus ancestrais e agradecer a cultura do lugar que os recebeu no passado.
(Autoria: Meg Mamede)
(Fontes: Entrevistas concedidas a Meg Mamede, em 2016, e Marli Wor, em 2020)
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